O que é a otite externa?
A otite externa é uma doença inflamatória que afeta o canal auditivo externo e o pavilhão auricular dos cães. Estima-se que entre 5% a 20% dos cães sejam acometidos por essa doença.
Causas de otite em cães
As otites em cães podem ser causadas por diferentes fatores, incluindo:
Bactérias: Staphylococcus spp, Pseudomonas, Proteus, Enterococcus, Streptococcus e Corynebacterium.
Fungos: Malassezia, Microsporum
Ácaros: Otodectes cynotis, Demodex canis, Sarcoptes scabiei
Doenças alérgicas: como dermatite atópica
Corpos estranhos: como água, algodão, gravetos etc.
Hiperprodução de cerúmen: primária ou secundária
Dermatopatias crônicas
Neoplasias
As bactérias mais comumente isoladas no canal auditivo de cães com otite são Staphylococcus spp, Pseudomonas, Proteus, Enterococcus, Streptococcus e Corynebacterium. A levedura Malassezia é outro componente frequente na otite externa de cães. Alguns cães podem desenvolver uma resposta alérgica a essa levedura, resultando em desconforto e prurido (coceira) intenso.
Otite com formação de biofilme: Alguns desses microrganismos, especialmente Staphylococcus e Pseudomonas, podem formar o biofilme, o que dificulta a eliminação da infecção mesmo com a terapia adequada. Os biofilmes são monocamadas de bactérias que se aderem à superfície epitelial e produzem uma matriz extracelular tridimensional. Eles são clinicamente caracterizados por uma secreção escura, aderente e espessa.
Otite aguda ou crônica: A otite pode ser classificada como aguda ou crônica, esta última caracterizada por uma duração de três meses ou mais.
Otite eczematosa: Essa otite é caracterizada pela inflamação do epitélio e aumento na produção de cera. Geralmente a causa de base é a doença alérgica como atopia e alergia alimentar. Há alteração na espessura do epitélio do pavilhão auricular e o cerúmen produzido tende a ter uma coloração dourada.
Os sintomas da otite canina podem incluir
Prurido (coceira): Os animais acometidos geralmente apresentam prurido intenso nas orelhas, coçando-as com as patas ou esfregando a cabeça no chão.
Odor desagradável: A presença de odor forte nas orelhas pode ser um indicativo de otite externa.
Secreção: Orelhas infectadas podem produzir excesso de secreção, que pode variar em consistência (cerúmen ou pus).
Sacudir a cabeça: Os cães e gatos com otite externa tendem a balançar a cabeça com frequência para aliviar o desconforto.
Vermelhidão e inflamação: A pele dentro e ao redor do canal auditivo pode ficar vermelha, inflamada e sensível.
Alterações no pavilhão auricular podem incluir perda de pelos, escoriações, formação de crostas, vermelhidão e hiperpigmentação. O meato acústico externo pode apresentar hiperemia, ulceração, secreção ceruminosa ou supurativa, massas, estenoses, alterações glandulares ou corpos estranhos. A avaliação da integridade da membrana timpânica também é importante, embora possa ser difícil quando a otite externa está presente.
Diagnóstico de otite em cães
O diagnóstico é composto pelo conjunto de anamnese, exames físicos e complementares (como citologia, cultura e antibiograma, histopatológico, etc). Outros exames poderão ser solicitados conforme necessidade individual do paciente.
Imagem: unplash
Otoscopia: A otoscopia é de grande importância no diagnóstico das afecções do conduto auditivo, uma vez que possibilita uma imagem detalhada do ouvido. É possível identificar a presença de secreções e alterações no canal, bem como a presença de neoplasias e possiveis corpos estranhos .
Citologia: O exame citológico é uma ferramenta diagnóstica importante no manejo da otite em cães. Ele desempenha um papel crucial na identificação dos microorganismos presentes, auxiliando no diagnóstico correto e no planejamento do tratamento adequado. As avaliações citológicas óticas também ajudam a monitorar a resposta à terapia.
Durante o exame citológico, uma pequena amostra é coletada do ouvido do cão usando um swab. Essa amostra é então espalhada em uma lâmina de vidro e corada para facilitar a visualização das células ao microscópio. O veterinário examina a amostra em busca de bactérias, leveduras, fungos, células inflamatórias e outros indicadores que possam ajudar a determinar a causa da otite. Através do exame citológico, o veterinário pode identificar se há uma infecção bacteriana, fúngica ou mista, permitindo a prescrição de medicamentos específicos para combater os microorganismos presentes.
Cultura e antibiograma: A cultura consiste no isolamento e identificação dos microorganismos presentes na amostra coletada do ouvido do cão. Essa amostra pode ser obtida através de um swab ou por meio da coleta de material durante um procedimento chamado lavagem auricular. A amostra é então cultivada em meios de cultura apropriados, permitindo que as bactérias, fungos ou leveduras se multipliquem e formem colônias visíveis. Com base nos resultados do antibiograma, o veterinário pode escolher o antibiótico mais apropriado para tratar a infecção de ouvido do cão. Isso ajuda a direcionar o tratamento de forma mais precisa e eficaz, evitando o uso indiscriminado de antibióticos e reduzindo a chance de resistência bacteriana.
Exames de imagem (RX, TC, RM): Estudos de imagem, como radiografias, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), não são usados rotineiramente, mas podem ser úteis em casos de otite crônica ou quando a otite média é motivo de preocupação.
Fatores primários, predisponentes e perpetuantes
Nas otites em cães, existem três categorias de fatores envolvidos: fatores primários, predisponentes e perpetuantes.
Esses fatores podem interagir entre si, contribuindo para o desenvolvimento, recorrência ou persistência da otite. É vital que o clínico avalie o envolvimento de vários fatores primários, predisponentes e perpetuantes que podem estar contribuindo para a doença do ouvido enquanto avalia cada paciente individual afetado pela otite externa. Se todos ou a maioria desses fatores forem identificados, é provável a resolução da otite atual e a prevenção de futuros episódios de otite.
Fatores primários: Os fatores primários são doenças que afetam diretamente o conduto auditivo externo e podem causar otites, incluindo parasitas otológicos como Otodectes cyanotis, doenças de hipersensibilidade (alergia alimentar, dermatite atópica,) doenças endócrinas como hipotireoidismo, neoplasia ótica e corpos estranhos. A doença de hipersensibilidade subjacente é o fator primário mais comum que leva à otite em cães e estima-se que a otite externa acontece em 50% a 80% dos cães atópicos.
Fatores predisponentes: Os fatores predisponentes aumentam a suscetibilidade do cão a desenvolver otites. Eles não causam diretamente a otite, mas tornam o ouvido mais suscetível a infecções ou inflamações.
Anatomia do ouvido: Cães com orelhas caídas ou com canal auditivo estreito têm maior predisposição a otites, pois isso dificulta a ventilação e a drenagem adequada.
Acúmulo de cerúmen: O acúmulo excessivo de cerúmen no canal auditivo pode criar um ambiente propício para o crescimento bacteriano e/ou fúngico.
Umidade: A umidade excessiva dentro do ouvido pode facilitar o desenvolvimento de infecções.
Fatores perpetuantes: Os fatores perpetuantes são aqueles que prolongam a otite ou dificultam a sua resolução. São fatores que não iniciam a inflamação, mas levam à exacerbação do processo inflamatório e mantêm a doença otológica mesmo que o fator primário tenha sido identificado e corrigido.
Autotraumatismo: O cão coçar ou sacudir a cabeça repetidamente pode irritar ainda mais o ouvido, agravando a inflamação.
Corpos estranhos: Objetos estranhos, como grampos de grama ou fragmentos de plantas, podem entrar no canal auditivo e perpetuar a otite.
Resistência bacteriana ou fúngica: Alguns microorganismos podem desenvolver resistência a antibióticos ou antifúngicos, tornando o tratamento mais difícil. Bactérias como Staphylococcus e Pseudomonas, e a levedura Malassezia são fatores perpetuantes comuns
Inflamação crônica: A inflamação persistente no ouvido pode causar alterações nas características do ambiente, favorecendo a manutenção da infecção.
Se a infecção se propagar para a bula timpânica, a presença dessa infecção na orelha média também pode atuar como um fator perpetuante, levando a infecções recorrentes da orelha externa. Fatores perpetuantes são muitas vezes a principal razão para o insucesso do tratamento em cães afetados por otite externa recorrente.
Tratamento da otite externa
O tratamento eficaz da infecção do ouvido inclui o tratamento da infecção e das alterações inflamatórias, bem como a determinação dos fatores subjacentes que levaram ao desenvolvimento da otite.
A terapia tópica é o principal tratamento para otite externa, embora o uso sistêmico de terapia anti-inflamatória e/ou terapia antimicrobiana possa ser indicado para pacientes individuais. Grande parte dos fármacos usados no tratamento de otite externa possui glicocorticoide, juntamente com antibióticos e/ou antifúngicos.
Limpeza auricular: A limpeza das orelhas antes da terapia tópica é fundamental para ajudar a diminuir o cerume ótico, permitindo assim que a terapia tópica seja eficaz. A limpeza do ouvido também ajuda a quebrar o biofilme que pode proteger as colônias bacterianas da terapia antimicrobiana apropriada. O veterinário pode prescrever uma solução de limpeza auricular específica para uso regular em casa. É importante seguir as instruções fornecidas pelo veterinário para evitar lesões ou irritações adicionais.
Medicação tópica: São prescritos medicamentos tópicos para tratar a infecção presente no ouvido. Esses medicamentos podem conter antibióticos, antifúngicos e/ou corticosteroides, dependendo da causa específica da otite. É importante aplicar os medicamentos conforme indicado pelo veterinário e pelo tempo recomendado, mesmo que os sintomas melhorem antes. Durante o tratamento da otite externa, recomenda-se a reavaliação frequente do paciente, incluindo citologia ótica, para determinar se são necessárias alterações no tratamento.
Tratamento sistêmico: Em alguns casos, especialmente se a otite for recorrente ou grave, o veterinário pode prescrever medicamentos orais, como antibióticos ou antifúngicos, para tratar a infecção de forma mais abrangente. Normalmente, a antibioticoterapia sistêmica para o tratamento da otite externa é desencorajada.
Tratamento de fatores predisponentes: Se houver fatores predisponentes envolvidos, como alergias, o veterinário pode recomendar o tratamento adequado para controlar esses problemas.
Acompanhamento e reavaliação: É importante realizar consultas de acompanhamento com o veterinário para avaliar a resposta ao tratamento e fazer ajustes, se necessário. Em alguns casos, pode ser necessário repetir o exame citológico ou cultura para garantir a resolução da infecção. Uma avaliação de acompanhamento para confirmar a resolução completa é muito útil para garantir que fatores primários ou perpetuantes não estejam presentes no momento da conclusão da terapia. A recorrência do problema, apesar da resolução documentada da otite, indica a necessidade de uma revisão completa da possível doença primária subjacente, bem como dos fatores predisponentes e perpetuantes.
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Cuidados gerais: como evitar que a otite aconteça?
De maneira geral, alguns cuidados podem ser tomados para evitar que ela surja, tais como:
Limpeza: Manter as orelhas limpas e secas é essencial para prevenir infecções. No entanto, evite inserir objetos dentro do canal auditivo sem orientação veterinária, pois isso pode ser prejudicial.
Leve o pet para tomar banho em locais de confiança
Secagem: Após banhos ou exposição à água, seque cuidadosamente as orelhas dos animais, pois a umidade pode favorecer o desenvolvimento de infecções.
Proteção: Durante atividades como natação, evite que água entre nas orelhas do seu animal. Existem protetores auriculares disponíveis para esse fim.
Consulta veterinária:consultas periódicas contribuem para manter os animais saudáveis.
Referências
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Sobre a autora
Dra Aline Santana é médica veterinária formada pela Universidade Federal de Viçosa, com residência em clínica médica de pequenos animais pela mesma instituição. Possui mestrado e doutorado em Ciências pelo Departamento de Clínica Médica da FMVZ/USP, com período de intercâmbio realizado no exterior (University of Minnesota, Estados Unidos). Desde 2012, Dra. Aline Santana é sócia da Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária (SBDV). Durante o período de 2015 a 2021, atuou como diretora de mídias e colaboradora da SBDV.