Com o aumento da prevalência de Staphylococcus pseudintermedius resistentes à meticilina (MRSP), há uma crescente busca por novas soluções terapêuticas para tratar as piodermites. Diante desse cenário, o hipoclorito de sódio (NaClO) tem ganhado destaque como uma possível "nova" alternativa para o tratamento tópico da piodermite superficial em cães.
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Ação antimicrobiana do hipoclorito de sódio
O hipoclorito de sódio exerce sua ação antimicrobiana através da desnaturação e inativação dos componentes celulares essenciais dos microorganismos. Acredita-se que, durante a dissociação do hipoclorito de sódio em solução aquosa, parte do hipoclorito se converte em ácido hipocloroso, que é considerado a forma ativa responsável pela atividade antimicrobiana.
Ele atua através da oxidação de estruturas presentes nos microorganismos, resultando em danos e inativação de estruturas vitais. Essa ação oxidante compromete a integridade das membranas celulares e interfere nas funções metabólicas e enzimáticas dos microorganismos, levando à morte ou inativação desses agentes.
Mas afinal, existem evidências de sucesso no tratamento da piodermite canina?
Embora escassos, alguns estudos in vitro e in vivo já demonstraram que o hipoclorito de sódio apresentou propriedades antimicrobianas contra uma ampla gama de microorganismos, incluindo Staphylococcus spp (referências abaixo). Além do seu amplo espectro de ação, o hipoclorito de sódio tem baixo custo e já vem sendo utilizado em formulações de manipulação ou comercializado em produtos veterinários nos Estados Unidos e, mais recentemente, no Brasil.
De acordo com Banovic et al. (2018), o hipoclorito de sódio nas concentrações de 0,05% e 0,005% foi bem tolerado e apresentou propriedades antissépticas e anti-inflamatórias em cães. A aplicação única em ambas as concentrações revelou boa tolerabilidade, bem como redução da carga bacteriana avaliada.
Além disso, os autores mencionam que as as soluções de hipoclorito a 0,05% não tiveram efeito nas ceramidas cutâneas e não induziu descamação cutânea visível. No entanto, os próprios autores mencionam que essa relação com as ceramidas precisa ser melhor avaliada com o uso prolongado de hipoclorito de sódio.
Em outro estudo conduzido por Fadok et al. (2019), os autores avaliaram um shampoo comercial formulado com hipoclorito de sódio e ácido salicílico (especificações não disponíveis) como terapia única para cães com piodermite superficial associada a S. pseudintermedius, incluindo cepas resistentes à meticilina (MRSP).
Os cães foram tratados com banhos terapêuticos 3x vezes por semana e acompanhados por avaliação clínica e exame citológico. Os autores relataram que, após quatro semanas consecutivas de terapia, houve uma melhora significativa no escore lesional e uma redução nas contagens bacterianas. Os autores concluíram que o produto foi eficaz no tratamento da piodermite superficial. Um aspecto mencionado foi o clareamento da pelagem em alguns cães.
Quais são as principais vantagens do uso terapêutico do hipoclorito de sódio?
baixo custo
estudos pilotos in vitro e in vivo demonstraram eficácia antibacteriana do hipoclorito contra S. pseudintermedius, inclusive contra cepas resistentes.
Desvantagens e pontos de observação
inativação na presença de matéria orgânica: as soluções de hipoclorito de sódio podem ser parcialmente inativadas na presença de matéria orgânica.
cães podem apresentar xerose (ressecamento cutâneo) e branqueamento dos pelos.
dependendo da concentração, pode causar irritação na pele, mucosas e olhos.
** Dado que cães atópicos podem ter niveis reduzidos de lipidios no estrato córneo e considerando que o hipoclorito de sódio é um agente oxidante que pode afetar a barreira cutânea, é crucial considerar a prescrição de produtos hidratantes/emolientes.
** Como a piodermite é na maioria das vezes secundária à outras enfermidades, é fundamental que se invetigue a doença de base (dermatite atópica, neoplasias, etc).
Considerações importantes
Diretrizes recentes (Morris et al 2017), afirmam que a terapia tópica é a opção recomendada para casos de piodermite superficial. No entanto, embora os resultados terapêuticos do hipoclorito sejam bastante promissores, é importante lembrar que se tratam de estudos pilotos, o que implica em algumas considerações:
Os estudos pilotos geralmente envolvem um número limitado de participantes, os critérios de inclusão e exclusão podem ser mais restritos, e há outras limitações metodológicas a serem consideradas. Portanto, é necessário interpretar os resultados com cautela e reconhecer que eles fornecem apenas uma visão preliminar dos efeitos e benefícios da intervenção ou tratamento em questão. São necessários estudos clínicos com uma amostra maior e metodologia robusta, para confirmar e generalizar os achados observados nos estudos pilotos.
Além disso, algumas reflexões devem ser consideradas em futuras pesquisas:
É necessário investigar se o uso prolongado do hipoclorito de sódio pode prejudicar a função de barreira da pele, levando a uma maior perda de água transepidérmica e sensibilização da pele. Estudos a longo prazo são necessários para compreender melhor os efeitos do hipoclorito de sódio na função de barreira da pele, especialmente quando usado de forma contínua e por períodos prolongados.
Por último, é importante considerar o uso racional do hipoclorito de sódio. Na medicina humana, já há relatos de resistência à clorexidina, e é possível que isso também ocorra na medicina veterinária com o uso de produtos tópicos.
Avaliação da tolerabilidade do hipoclorito de sódio (0,005%) em cães saudáveis
Em uma pesquisa recente publicada na Veterinary Dermatology, foi avaliado a a segurança clínica e tolerabilidade dos banhos de hipoclorito de sódio com concentração final de 0,005% em pacientes caninos saudáveis. (Clique e acesse essa pesquisa comentada)
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Sobre a autora
Dra Aline Santana é médica veterinária formada pela Universidade Federal de Viçosa, com residência em clínica médica de pequenos animais pela mesma instituição. Possui mestrado e doutorado em Ciências pelo Departamento de Clínica Médica da FMVZ/USP, com período de intercâmbio realizado no exterior (University of Minnesota, Estados Unidos). Desde 2012, Dra. Aline Santana é sócia da Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária (SBDV). Durante o período de 2015 a 2021, atuou como diretora de mídias e colaboradora da SBDV.
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Referências:
Banovic F, Olivry T, Bäumer W, Paps J, Stahl J, Rogers A, Jacob M. Diluted sodium hypochlorite (bleach) in dogs: antiseptic efficacy, local tolerability and in vitro effect on skin barrier function and inflammation. Vet Dermatol. 2018
Morris D.O., Loeffler A., Davis M.F., Guardabassi L., Weese J.S. Recommendations for approaches to meticillin-resistant Staphylococcal infections of small animals: Diagnosis, therapeutic considerations and preventative measures. Clinical Consensus Guidelines of the World Association for Veterinary Dermatology. Vet. Dermatol. 2017;28:304-e69. doi: 10.1111/vde.12444.
Banovic F, Lemo N. In vitro evaluation of the use of diluted sodium hypochlorite (bleach) against Staphylococcus pseudintermedius, Pseudomonas aeruginosa and Malassezia pachydermatis. Vet Dermatol 2014
Fadok VA, Irwin K. Sodium Hypochlorite/Salicylic Acid Shampoo for Treatment of Canine Staphylococcal Pyoderma. J Am Anim Hosp Assoc. 2019
Pariser M, Gard S, Gram D et al. An in vitros tudy to determine the minimal bactericidal concentration of sodium hypochlorite (bleach) required to inhibit meticillin resistant Staphylococcus pseudintermedius strains isolated from canine skin. Vet Dermatol 2013
Banovic F, Reno L, Lawhon SD, Wu J, Hoffmann AR. Tolerability and the effect on skin Staphylococcus pseudintermedius density of repeated diluted sodium hypochlorite (bleach) baths at 0.005% in healthy dogs. Vet Dermatol. 2023